(El Grito n. 03, 1983, Oswaldo Guayasamin)
Ontem, numa degradante audiência de conciliação de JEC, o juiz inquiriu-me acerca do valor que estávamos dispostos a aceitar para um acordo.
Mesmo temeroso da reação dos presentes, não hesitei em dizer que não aceitaríamos menos do que R$ 22k. Era o mínimo que meu cliente disse aceitar pelo seu martírio.
Todos riram e se entreolharam perplexos. O juiz, em tom de escárnio: “você conhece a jurisprudência do Colégio Recursal do Ipiranga? Não costuma ter indenização acima de R$ 5 mil”.
Pois é, embora a indenização se meça pela extensão do dano (art. 944, CC), no JEC do Ipiranga a dor do cidadão vale R$ 5 mil. Mesmo que o rito sumaríssimo tenha alçada para conhecer de pretensões de até R$ 48 mil (art. 3°, I, Lei n. 9.099/95), no Supremo JEC do Ipiranga, sua dor vale R$ 5 mil. Mesmo que o legislador, no CPC de 2015, tenha atribuído, ao demandante, o poder-dever de quantificar sua dor (art. 292, V), lá ela, invariavelmente, não valerá mais do que R$ 5 mil.
Isso, claro, se você for um cidadão comum. Se for um juiz cujo vôo atrasou, sua dor vale R$ 74 mil. Se for um ministro chamado de “cabeça de ovo”, sua dor vale R$ 70 mil.
Como diria Galeano: serpente que é, a Justiça só morde os pés descalços.
Sua dor é um ponto estatístico nos relatórios de performance que justificam as “medalhas” que as autoridades judiciárias concedem umas às outras em suas pomposas solenidades.
A dano moral é, hoje, um monumento da seletividade da prestação jurisdicional. No papel, o Judiciário mede a indenização pela extensão do sofrimento.
Para Schopenhauer, o sofrimento é nada mais do que a “vontade cravando os dentes na própria carne”, porque carece, em absoluto, “de fim e alvo últimos” e é incapaz de obter uma “satisfação absolutamente conclusiva”.
A vontade, porém, não é comum a todos. Um juiz com rendimentos mensais de R$ 50 mil não tem vontade de ter seu nome removido de um serviço de proteção de crédito, simplesmente porque sua realidade econômica não comporta esse desdobramento. Como pode experimentar a dor de alguém que é arrastado, coercitivamente e sem motivo ou ordem judicial, pra dentro de uma delegacia e constrangido como um criminoso contumaz?
Não pode. Mas pode sentir a “dor” de ser chamado de “cabeça de ovo” e por isso concede uma indenização de R$ 70 mil a um colega de profissão assim ofendido.
É óbvio que a dor jamais poderá ser um critério legítimo para indenização de dano moral. A essa conclusão, inclusive, já chegou a Min. Nancy Andrighi, no STJ (vide REsp n° 1.292.141/SP e 1.268.333/SP), que estabelece, em seus julgados, a “violação do direito” como parâmetro reparatório. Considerando ser o “direito” o objeto da reparação, evidentemente, só será suficiente a indenização que represente um efetivo desestímulo a uma nova infração.
Para conforto de nossos algozes cotidianos, porém, no JEC do Ipiranga, alçado ao cume da pirâmide kelseniana, a corrosão diária da ordem jurídica e da cidadania se remedia com R$ 5 mil.
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