
A internet como conhecemos hoje se sustenta numa cláusula legal desconhecidas de muitos: a famigerada “Seção 230”.
Trata-se da legislação estadunidense, de 1996, que prevê a imunidade das plataformas digitais (como Google, Youtube e redes sociais) pelo conteúdo e atividade de terceiros. Criada justamente para proteger as “big techs”, como são conhecidas hoje, a proteção legal permitiu às empresas que desenvolvessem e ampliassem seus algoritmos, captando bilhões de usuários ao redor do globo, sem se envolverem nas disputas e responsabilidades legais decorrentes dos conteúdos que veiculavam.
Na semana passada, porém, a Suprema Corte americana admitiu recurso da família de Nohemi Gonzales, estudante de 23 anos que foi vítima de um ataque do ISIS num restaurante em Paris. No apelo, a família alega que o Youtube recomendara aos extremistas conteúdo relacionado ao Estado Islâmico, agindo como verdadeira “plataforma de recrutamento”.
Embora o recurso ainda não tenha sido julgado, o só fato de ter sido admitido na Suprema Corte indica uma tendência de alteração da jurisprudência, que até então seguia rigorosamente o teor da Seção 230.
Aliás, essa tendência não se verifica apenas no Judiciário, uma vez que o parlamento americano já se movimenta para alterar a Seção 230.
No Brasil, a “imunidade” é prevista no art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14), fortemente inspirada na legislação americana. Tal como lá, porém, a proteção legal vem sendo questionada e gradativamente flexibilizada nos tribunais, o que levou, no ano passado, o STF a instaurar procedimento para analisar a constitucionalidade da regra (Tema 987), que deve ser julgado ainda neste ano.
Embora eventual decisão da Suprema Corte dos EUA não afete nossa legislação interna, é bem possível que sirva de baliza e motivação para reversão da imunidade irrestrita outorgada às empresas do setor.
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